Miudezas


Sofro com as miudezas. As angústias e os fantasmas da solidão me perseguem, me inundam de silêncios, introspecções, sopros nas vísceras. Deus deve entender tudo isso. Os afazeres me encontram desencontrado, sem saber para onde ir, movido por uma vontade enorme de criar-me e recriar-me sem parar, num conflito contínuo de buscas e percepções, de desencontros e desilusões. A vida me traz paz e breus, um pus interior que eu converto no vôo dos passarinhos e na alegria das crianças brincando na inocência dos dias. Tudo perturba, fulmina, traz as muitas mortes pelas quais teremos de passar, mesmo que não queiramos, até que, um dia, sigamos para os cemitérios, sem saber quem somos ou de onde viemos, nesse universo de corruptos e desenganados, atribulados por dentro e por fora, movidos por descontrariedades e descaminhos. O tempo de seres o que pretendes ser é sempre, a tua reinvenção é o que importa, o teu mistério te decifrará, te trará de volta para ti mesmo. Coragem, paciência, viver é mais complicado do que parece. Nos jardins o aroma das flores traz a verdade das coisas e das essências, inquieta a alma dos tristes, dá ao espírito a certeza de que há muito passado nas criaturas, um lodo em suas entranhas, um eco que as distribui nas inconseqüências, uma ação cheia de medos e soslaios. Só acontecemos quando amamos. No pirulito da tua infância habita a eternidade do mundo inteiro, a certeza de que o futuro é o que plantaste com o teu coração no reino da simplicidade e do encanto. O milésimo de segundo seguinte tem a mesma profundidade do milésimo de segundo anterior, precisamos uns dos outros, todos são cegos e efêmeros, movidos a temores e discordâncias, afeitos a tombos e chiliques. Os velhos precisam ser ouvidos, compreendidos em suas atitudes e gestações. Os impasses nos dominam, nos definham. Cada homem é um suicida em potencial, uma verdade que se espatifou nas assombrações dos abismos, um elo que nada uniu, uma constatação que trouxe e não trouxe, em seu âmago, a longevidade dos labirintos de nossas células, a fuga dos loucos para lugar nenhum. Te detecta, te projeta no além, ter em si veios e enleios sobrenaturais não é para qualquer um. Somos doentes, entes carentes, lentes que quanto mais aumentam os fatos, mais trazem à tona nossa necessidade de nos conhecermos, de sabermos o que queremos nesse frêmito dos lapsos da memória, nessa múltipla engrenagem de senões e discórdias a nos mover para os cadafalsos da vida. Ouçamo-nos sem digressões, nutramo-nos de ternura, unamo-nos aos córregos que passam e seguem seus rumos com humildade e sabedoria, sintamo-nos com mais vivacidade, fluamos com os delírios, subamos nos degraus do destino como o menino, franzino e tímido, olhando para o infinito num rito puro, seguro. Duro é sermos ruins, termos cupins nas entranhas, sobrevivermos com manhas e artimanhas que desfiguram a delicadeza. Estamos em apuros e os escuros nos vêem confusos, animais de ais fundos, lírios plantados nos rios vazios.



Aroldo Ferreira Leão

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